O ovo de Hildebrandt e o descaso com dinheiro público 1t68k

Wednesday, 16 April 2025 482m5e
O vereador Bruno Win trouxe uma importante questão à luz que descortina a longa tradição de desrespeito com o pagador de impostos.
O governo Mário Hildebrandt foi brega. Independente de se concordar ou não com sua gestão, suas escolhas estéticas eram – na melhor das hipóteses – um pavoroso equívoco caipira, cheio de cores que não se complementavam e elementos gráficos que miravam o germânico e acertavam o sofrível.
Desde a tentativa pitoresca de imitar a parisiense Pont des Arts com seus cadeados, ando pelas pinturas florais que parecem mais baianas do que alemãs, até uma insólita "Cachoeira de Concreto" – que consiste basicamente em uma escadaria pintada de azul entregue por sua gestão como “atração turística” e aceita como tal por um delírio coletivo –, suas escolhas artísticas foram deploráveis.
Uma dessas escolhas foi um bizarro e colossal ovo de 15 metros, criado pelo artista plástico Guido Heuer e composto por chapas de aço curvas. A excentricidade custou a bagatela de R$ 332 mil.
Adquirida em 2023, a peça era claramente de difícil adequação harmônica a qualquer decoração que não fosse pensada já a tendo como elemento cênico central. Desde sua compra por esse valor absurdo, foi usada apenas duas vezes e, neste ano, desapareceu.
Nesta semana, o vereador Bruno Win (Novo) chamou a atenção da comunidade para o fato de que tal peça – paga com dinheiro público e parte durável do acervo municipal – simplesmente sumiu. Após tornar o questionamento público, Win protocolou um requerimento oficial exigindo que a prefeitura explique a ausência do item.
Em meio a boatos de que teria sido omitida por não combinar com a decoração pascal deste ano, a prefeitura emitiu nota afirmando que a peça sofreu avarias durante o transporte e que, nos próximos eventos, estará consertada e pronta para voltar às festividades.
Fato
Uma das marcas da gestão Hildebrandt era a facilidade com que se gastava dinheiro com coisas infrutíferas.
Quando o tal ovo foi comprado, houve especulação de que a aquisição teria sido motivada por uma tentativa de competir com o ovo gigante de Pomerode, que representa a cidade para além da Osterfest.
E essa afirmação chega a ser dolorosa. Enquanto a obra metálica e sem personalidade ostentada por Blumenau tem 15 metros e custou R$ 332 mil, a estrutura pomerodense – com a mesma altura e pesando três toneladas – custou apenas R$ 100 mil e entrou para o Guinness World Records. Eles souberam usar seu dinheiro. Nós, não.
Um pouco sobre arte
A arte é uma complexa manifestação cultural que representa ideias, emoções, situações e percepções por meio de técnicas e linguagens. Seu olhar pode perar o mero senso estético e estender-se à dimensão social, com críticas a múltiplas contextualizações. Sua polissemia é inerente, abrangendo um campo dinâmico e rompendo qualquer limite unívoco.
Enquanto a Arte Clássica – cujo maior nome é Leonardo Da Vinci – procura idealizar beleza, harmonia e equilíbrio, a Arte Moderna busca romper com o academicismo e explorar novas formas, materiais e perspectivas, tentando materializar a subjetividade do próprio artista, como Tarsila do Amaral fez no Abaporu (onde usa o gigantismo dos pés e mãos para evocar o protagonismo do trabalho braçal brasileiro). Já a Arte Contemporânea é abstrativa, questionando a própria definição de arte, como nas obras de Jackson Pollock. Seu maior trabalho, Mural (1944), foi um momento de ruptura com as convenções da pintura de cavalete, tendo um significado móvel e dependente do ponto de vista do observador para suas pinceladas e gotejamentos.
Se a arte era, para Aristóteles, uma imitação da natureza – virtude intelectual da criação humana –, para Mário de Andrade, a manifestação artística precisava, inerentemente, se comprometer a retratar a cultura e a diversidade de seu povo. Diferente deles, Theodor Adorno entendia arte como uma expressão crítica e libertadora, com forte comprometimento social e livre de amarras mercantis.
A mãe do meu filho – uma marchand suíça formada em Belas Artes pela Panthéon-Sorbonne, que tragicamente faleceu aos 27 anos – costumava dizer que o valor da arte deveria ser inerente à sua complexidade de reprodução, independentemente do movimento ao qual pertença.
O poeta francês Charles Baudelaire costumava afirmar que a popularização da fotografia seria fundamental para a decadência da arte... ou para a redefinição de seu valor.
A verdade é que o valor de uma obra está submetido a uma intrincada cadeia de fatores que vão desde a objetividade da qualidade técnica, conservação e raridade, até a subjetividade da originalidade, significado e impacto visual. Isso, claro, sem contar os elementos externos, como sua história, demanda, curadoria, especulações, contexto, posicionamento em tendências e, principalmente, a reputação do autor. Quem nunca ouviu falar nos ovos Fabergé?
Opinião
Guido Heuer não era Peter Carl Fabergé e o ex-prefeito Mário Hildebrandt não é o czar Alexandre III.
Por mais que você aprecie o Figurativismo Expressivo, R$ 332 mil é muito dinheiro para se pagar por algo que sairá do depósito (se muito) uma vez por ano.
Muita gente está dizendo que esse dinheiro poderia ter sido melhor aplicado em áreas como Saúde, Infraestrutura e Educação. Dependendo da origem do orçamento, é verdade que o destino pode estar pré-programado para um setor específico, sem possibilidade de desvio.
Mas, mesmo que os recursos fossem voltados ao Turismo, esse valor teria melhor finalidade se fosse usado em infraestrutura turística (manutenção e melhorias), qualificação de mão de obra, promoções (marketing, feiras e eventos), desenvolvimento de novos produtos ou fortalecimento da cultura local. O atual secretário – que herdou essa bomba inútil – tem excelentes ideias cujo custo inicial é consideravelmente baixo, e poderia fazer uso muito mais inteligente de tal cifra.
No reino de Ayutthaya, no século XIV, no Sião (hoje Tailândia), os elefantes “brancos” eram considerados sagrados e, portanto, não podiam trabalhar. Os monarcas viam com bons olhos quem possuía um desses animais e, por isso, muitos nobres os desejavam. Contudo, manter tal animal – que precisava viver no luxo sem nada produzir – era tão dispendioso que se tornou comum um rei presentear com um desses paquidermes o súdito que desejava punir. É justamente daí que vem o termo “elefante branco”: algo caro e inútil, ou de difícil manutenção e venda.
Assim sendo, Hildebrandt e seu ex-secretário de Turismo, Marcelo Greuel, arranjaram um elefante branco em forma de ovo para Blumenau chamar de seu.
Curiosamente, elefantes e coelhos são vivíparos (não botam ovos).
Não é de hoje
Talvez você seja jovem demais para lembrar, mas duas décadas atrás, o ex-prefeito Décio Lima (PT) revitalizou a Rua XV de Novembro e iniciou obras na Beira-Rio. Como parte dessas obras, trocou os feios pontos de ônibus da região por novos, ondulados.
Seu sucessor, João Paulo Kleinübing (União) – numa clara tentativa de apagar a agem de Décio pela prefeitura – deliberadamente removeu os novos pontos pouco tempo depois de instalados. Pontos, aliás, que também geraram polêmica à época pelo custo considerado excessivo pela população.
O mesmo João Paulo que criou o plano Blumenau 2050, promoveu um evento no Moinho do Vale e divulgou um caríssimo caderno com capa envernizada contendo um projeto irreal, que só faltava prometer carros voadores como os dos Jetsons para 25 anos no futuro.
Isso sem mencionar os quilômetros de tubulações já prontas para o uso do Samae antes de a Foz do Brasil (hoje BRK) tomar Blumenau de assalto.
Napoleão Bernardes (PSD) – que sucedeu Kleinübing – também não ficou atrás: ou alguém aqui se esqueceu da bandeira gigante pendurada na ponte, que custou uma fortuna, beneficiou empresas com ligações diretas ao governo da época, e se rasgou pouco tempo depois, no pior lugar possível?
O ovo de Mário foi apenas mais um dos muitos desperdícios cafonas e pouco inteligentes do ex-prefeito que, no último Natal, teve a capacidade (ou incapacidade) de prender um grotesco Papai Noel inflável com a mão murcha na Ponte Ferro, um dos símbolos da cidade.
A questão é que isso não vem de hoje. Mas precisa parar. Se possível, agora.
Quando Win chama atenção para o sumiço de um feio ovo de Páscoa que em nada remete a qualquer tradição pascal, ele nos faz pensar em quantas vezes os governos queimam o dinheiro dos nossos impostos com futilidades descartadas por seus sucessores.
Lembrando o recente Projeto de Lei de seu correligionário Diego Nasato: esse ovo não veio de graça. Ele foi pago. Com o meu dinheiro. Com o seu também. Chega de comprarem imbecilidades.
Quem sabe seja necessário um projeto legislativo para forçar a consciência financeira dos nossos governantes?