Blumenews 33165l

Uso de Lei Magnitsky contra Moraes será inédito 6z343k

Uso de Lei Magnitsky contra Moraes será inédito
Foto: Divulgação

Thursday, 29 May 2025 5h6e53

Levantamento mostra que alvos da legislação até aqui foram membros de regimes autoritários, terroristas, criminosos ligados a lavagem de dinheiro e agentes de segurança acusados de assassinatos em série. Ministro do STF é acusado de abusar de seus poderes e provocar prejuízos bilionários a empresários americanos.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, ou a ser alvo de uma ofensiva que tenta enquadrá-lo nos Estados Unidos com base em uma lei que, desde sua criação, jamais foi usada contra ministros de Supremas Cortes de outros países. Levantamento do Estadão, com base em mais de 2.250 registros de sanções aplicadas pela Lei Global Magnitsky entre 2022 e 2025, mostra que os alvos típicos da medida são autoridades de regimes autoritários, integrantes de grupos terroristas, criminosos ligados a esquemas de lavagem de dinheiro e agentes de segurança acusados de assassinatos em série.

Criada para punir graves violações de direitos humanos e casos de corrupção transnacional, a Lei Global Magnitsky se tornou a principal aposta de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar enquadrar Moraes em cortes internacionais. A investida ganhou novo fôlego após o chefe do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, afirmar, na última semana, que o governo Donald Trump “tem grandes possibilidades” de aplicar sanções contra o ministro com base na norma.

Diante da movimentação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou, nesta segunda-feira, a abertura de um inquérito contra o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), acusado de articular e defender a imposição de sanções pelo governo americano contra Moraes, com o objetivo de interferir no andamento da ação penal em que seu pai, Jair Bolsonaro, é réu por tentativa de golpe de Estado. O pedido foi acolhido e a investigação foi autorizada pelo próprio ministro, a quem o caso foi distribuído por prevenção.

Eduardo segue nos Estados Unidos desde março, após pedir licença do mandato por 120 dias, sob a justificativa de perseguição política. Procurado, o parlamentar não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Levantamento do Estadão, com base em dados do sistema oficial do governo dos EUA sobre os alvos das sanções, mostra que a Lei Global Magnitsky tem sido aplicada majoritariamente a perfis e contextos políticos distintos do caso envolvendo Moraes. Entre 2018 e 2025, predominam na lista agentes de segurança acusados de assassinatos políticos, líderes de regimes autoritários envolvidos em repressão sistemática, membros de grupos terroristas armados e criminosos ligados a esquemas bilionários de corrupção.

Entre os casos emblemáticos estão assessores diretos do príncipe Mohammed bin Salman, da ditadura da Arábia Saudita, responsabilizados pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi; o ditador da Chechênia, Ramzan Kadyrov, acusado de execuções extrajudiciais; integrantes de grupos terroristas do Iraque e do Afeganistão; e dirigentes do Partido Comunista Chinês punidos por comandar políticas de repressão sistemática no país. Na América do Sul, figuram membros de facções criminosas com conexões no Brasil, envolvidos em lavagem de dinheiro e evasão de divisas, além do ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes, sancionado após deixar o cargo, sob a acusação de envolvimento em esquemas de corrupção e lavagem de recursos.

O caso brasileiro, no entanto, rompe com o padrão histórico. O cientista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP, Guilherme Casarões, destaca que uma eventual sanção contra Alexandre de Moraes com base na Lei Global Magnitsky seria inédita desde a criação da norma. “Atingir ministros de Supremas Cortes, e mais do que isso, um ministro da instituição máxima do Judiciário brasileiro, é a novidade na aplicação desta lei. Seria a primeira vez desde a sua criação”, afirma.

Casarões explica que o caso mais próximo envolveu ministros de Estado da Turquia, responsabilizados pela prisão de um pastor americano em 2016, durante a onda repressiva que se seguiu à tentativa de golpe contra o governo de Recep Tayyip Erdogan. No poder desde 2003, Erdogan liderou um processo que levou milhares de opositores à prisão, entre eles jornalistas, militares e lideranças religiosas.

No caso de juízes de cortes superiores, o episódio mais emblemático envolveu o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, cujos membros foram sancionados em 2017 após decisões que permitiram ao ditador Nicolás Maduro governar por decreto e dissolver a Assembleia Nacional. Essas punições, no entanto, explica Casarões, foram aplicadas com base em uma ordem executiva específica, criada exclusivamente para lidar com a crise institucional venezuelana, e não com base na Lei Global Magnitsky, que tem escopo internacional e pressupõe fundamentos distintos.

Para o professor do Insper Leandro Consentino, essa diferença reforça o ineditismo do caso brasileiro. Ele avalia que, embora alvo de críticas, Moraes tem atuado dentro dos marcos constitucionais, e que a norma foi concebida para punir abusos praticados por regimes autoritários, não por autoridades de democracias. Trata-se, em sua visão, de um uso político e ideológico da legislação, com potencial para abrir um precedente perigoso que pode atingir outros países cujas normas desagradem aos Estados Unidos. “Se isso for, de fato, aplicado contra o Alexandre de Moraes, seria sem precedentes, por conta de estar atingindo um país democrático”, afirma.

A articulação de Eduardo Bolsonaro e de parlamentares republicanos para tentar enquadrar Moraes nessa lei se baseia no argumento de que o ministro estaria ameaçando a liberdade de expressão e a soberania digital dos EUA. O parlamentar cita decisões do magistrado, como a suspensão temporária da rede social X (antigo Twitter) no Brasil, após a plataforma descumprir ordens judiciais do STF; a inclusão de Elon Musk no inquérito das milícias digitais; e as restrições recentes a plataformas como Rumble e Truth Social. Em lives, Eduardo afirma que essas medidas configurariam censura a opositores, repressão política e interferência contra empresas americanas - o que, segundo ele, violaria direitos humanos e justificaria a aplicação da norma.

Para Casarões, essa tentativa de enquadramento ignora as diferenças entre os marcos normativos dos dois países. Ele aponta que os EUA estão usando suas próprias concepções de liberdade de expressão como régua para julgar atos tomados por Moraes com base no ordenamento jurídico brasileiro. Embora haja controvérsias sobre a atuação de Moraes, o professor ressalta que as decisões do juíz da Corte têm respaldo legal e foram validadas pelo Supremo. “Tratar essas medidas como violações de direitos humanos atinge diretamente a soberania nacional”, completa.

Supremo abre investigação contra Eduardo Bolsonaro

A movimentação ocorre no momento em que o Supremo avança no julgamento da ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva e manter Jair Bolsonaro no poder após as eleições de 2022. O ex-presidente e outros 30 acusados respondem por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, além de deterioração de bem tombado.

Esse contexto levou a PGR a considerar que as articulações internacionais de Eduardo Bolsonaro podem interferir no julgamento em curso. A suspeita de interferência foi um dos principais argumentos do procurador-geral Paulo Gonet ao solicitar a abertura de inquérito contra o deputado. No pedido, Gonet aponta indícios de que Eduardo estaria atuando para embaraçar o julgamento, justificando a investigação.

O Supremo acolheu a solicitação, e o próprio Moraes, por já relatar casos conexos, assumiu o inquérito e determinou sua abertura. O ministro também ordenou a tomada de depoimentos do ex-presidente Jair Bolsonaro e do deputado Lindbergh Farias, líder do PT na Câmara, autor da representação criminal que deu origem à investigação.

Para Lindbergh, a articulação de Eduardo Bolsonaro representa uma tentativa de coação no curso do processo que julga o golpe de Estado e configura agressão às instituições democráticas. “Eles estão fazendo isso para tentar proteger Bolsonaro, para tentar intimidar o Supremo. É uma agressão ao País, às instituições”, afirmou.

No despacho, Moraes afirmou que a investigação apurará possíveis crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal envolvendo organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Como surgiu a lei e quais as punições

Aprovada inicialmente em 2012 para punir autoridades russas envolvidas na morte de um denunciante de corrupção sob custódia do Estado, a legislação foi ampliada no fim de 2016 para permitir a aplicação de sanções contra agentes de qualquer país, transformando-se em uma ferramenta de pressão diplomática contra violadores de direitos humanos e normas internacionais. As primeiras punições fora do contexto russo ocorreram em 2017, durante o governo Donald Trump.

Caso seja enquadrado, Alexandre de Moraes poderá ter bens e contas congelados nos EUA, além de sofrer sanções como proibição de entrada no país, impedimento de fazer negócios com empresas ou cidadãos americanos e bloqueio de serviços financeiros. As medidas podem ser impostas por ato istrativo, sem necessidade de processo judicial, bastando relatórios de organizações internacionais, reportagens da imprensa ou depoimentos.


>> SOBRE O AUTOR 4s465d

Redação 6m4f9

>> COMPARTILHE 213i24